Na semana em que o Hospital Infantil Lucídio Portela completa 32 anos, uma história de força e superação emocionou recentemente médicos e funcionários da casa e criou uma corrente do bem por todo país. É a da pequena Marianny, uma paciente "moradora" de apenas 2 anos e seis meses de idade, que foi transferida da enfermaria do hospital para sua casa no último mês de janeiro, depois de passar 1 ano e 9 meses internada, tratando de uma doença rara e muito agressiva, Atrofia Muscular Espinhal (AME).

As AMEs têm origem genética e caracterizam-se por atrofia muscular secundária à degeneração de neurônios. A média de aparição desse distúrbio neuromuscular degenerativo é de 1 em 10 mil nascimentos, segundo dados da Associação dos Amigos da AME (AAME). A doença não tem cura definitiva, mas com fisioterapia, bons cuidados no acompanhamento clínico e alguns aparelhos ajudam a manter a independência da criança, a função de seus músculos e a integridade física e mental.

Segundo a médica pediatra que acompanhou Marianny, Karla Malta, geralmente a atrofia muscular espinhal evolui para paralisia respiratória e óbito, em idades variadas, dependendo do grau de acometimento. "O caso da Marianny é moderado, com expectativa de vida presumível de 10 anos ou mais, dependendo da manutenção da assistência domiciliar", revela.

Marianny é da cidade de Presidente Dutra, no Maranhão, filha de Marleanne Alves Ribeiro Pacheco (34) e Aglaylton Custodio Pacheco (34). Ela tem um irmão, Pedro, que tem 10 anos de idade e sofre de microcefalia, mas que depois de um tratamento, também no Hospital Infantil, se tornou fisicamente saudável. O pai é mecânico, sem carteira assinada, e a mãe é dona de casa. A família vive com uma renda com menos de mil reais por mês. Para acompanhar a filha durante o tratamento em Teresina, Marleanne ficou hospedada na casa de uma sobrinha, Larissa Carvalho, que é madrinha de Marianny. Para transporte e alimentação, contava com ajuda de Larissa e de pequenas doações, muitas vezes, de funcionários do hospital. Ela também promovia rifas para ajudar nas despesas. "Quando a Mari estava na UTI, eu chegava no hospital pela manhã, para o boletim médico, e saia depois das 17h, quando acabava o horário de visita. Quem me ajudou esse tempo todo foi minha sobrinha, Larissa, que também sabe cuidar da Mari e me ajudou a organizar as doações. Depois que ela foi pra enfermaria, eu passei a ficar as 24 horas do dia no hospital", conta.

A mãe da pequena paciente relata que suspeitou que havia algo errado com a saúde dela, quando percebeu que Marianny não conseguia fazer os movimentos normais com o corpo. "Ela era muito molinha. Não mantinha o pescoço reto e não conseguia virar de um lado para o outro. Era muito hipotônica, que é uma fraqueza muscular onde a criança não tem forças para se mexer normalmente", descreve.

A família de Marianny está com uma campanha para arrecadar quase 2 milhões e 500 mil reais, para compra e aplicação do medicamento Spiranza, que pode prolongar sua vida com mais qualidade e reduzir os sintomas. O fármaco é fabricado e comercializado apenas nos Estados Unidos. A família até agora conseguiu um pouco mais de 313 mil, que não é suficiente para comprar sequer, a primeira dose, que custa 370 mil. Para o primeiro ano de tratamento, são necessárias seis doses. O medicamento é a única forma de parar a progressão da doença.

Marleanne explica que tem recebido doações de todo Brasil, mas que falta muito para conseguir pagar o primeiro ano do tratamento. "Estamos com campanha nas redes sociais da Mari e pedindo ajuda em todos os lugares possíveis. Também vamos tentar conseguir algumas doses judicialmente, mas o processo é burocrático e demorado. Estamos numa corrida contra o tempo, pois ela a cada dia fica mais fraca", desabafa a mãe, emocionada.

A pediatra Karla Malta conta que quando começou a acompanhar a Marianny, ela havia subido da UTI para enfermaria e já estava com o diagnóstico. A médica revela que crianças com AME apresentam dificuldades para deglutir, respirar e tem necessidade contínua do uso de aparelhos para respiração e alimentação. "A nossa paciente tem uma gastrostomia, sendo necessário alimentar-se direto no estômago, através de uma sonda. E ela já estava com uso de ventilador mecânico quando saiu da UTI", conta Malta.

Karla destaca o esforço que foi conseguir um home care para realizar a transferência de Marianny do hospital para sua residência, com segurança, e ter em casa, toda estrutura para continuar os cuidados adequados. "Mesmo com diversos relatórios médicos da fisioterapia e nutrição, a família teve que entrar com um mandado judicial junto ao estado do Maranhão e ao município onde mora, para conseguir os aparelhos e uma equipe que pudesse atendê-la em casa. O pedido foi negado várias vezes, até ser aprovado", revela.

A médica explica que a transferência só foi liberada pela equipe do Lucídio Portela porque a paciente apresentou poucas intercorrências nos últimos meses de internação, com algumas infecções respiratórias, que foram tratadas. Acrescenta também, que a mãe já conhece toda rotina do tratamento. "Dona Marleanne sabe realizar desde os cuidados mais simples, até a manipulação dos aparelhos, aspirações e administrações da sua alimentação pela sonda de gastrostomia e medicações".

A chegada de Marianny em casa não teve intercorrências e ela está estável, segundo a mãe. "Estamos nos adaptando a rotina que as condições dela nos impõe. Em casa, tudo é com a gente. Eu me dedico à ela em tempo integral. Temos cuidados com as visitas, para ela não pegar nenhuma infecção. A Mari é muito delicada, frágil e por isso, todo cuidado é pouco. Além de restringirmos as visitas, sempre pedimos para as pessoas higienizarem as mãos e usar máscara e avental descartáveis", fala.

A mãe destaca o bom atendimento e atenção recebidos da equipe do Hospital Infantil Lucídio Portela durante o tempo que Marianny ficou internada. "Passamos quase dois anos dentro do hospital. Graças a Deus sempre fomos muito bem atendidas. Todo mundo lá gosta dela e ainda mantemos contato com as médicas, enfermeiras e diretoras", ressalta.

O tratamento
A diretora clínica do Lucídio Portela, Leiva Moura, explica que o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal engloba diversas especialidades, sendo fundamental o acompanhamento clínico que irá gerenciar as outras áreas. "Uma vez diagnosticada, o acompanhamento clínico tem como objetivo a manutenção da função muscular e a prevenção de infecções respiratórias, tanto através do uso de medicamentos, como de fisioterapia respiratória. Indispensavelmente, temos que reduzir a frequência de infecções respiratórias. Outro procedimento é a gastrostomia para os casos em que se percebe problemas para alimentação do paciente, que foi o caso da Marianny. Ela corria o risco de pegar uma pneumonia de aspiração. Outros tratamentos regulares em crianças, também devem ser mais rígidos em pacientes com AME", revela.

Leiva destaca que o envolvimento do pediatra durante todo o tratamento é fundamental. "É o pediatra que vai reconhecer os sintomas, solicitar os devidos exames e fazer o diagnóstico correto. Quanto mais cedo a criança for diagnosticada e encaminhada ao especialista, mais rápido e eficaz será o tratamento", fala. 

Para o presidente da Fundação Piauiense de Serviços Hospitalares, o médico Pablo Santos, responsável pela gestão do Hospital Infantil Lucídio Portela, a experiência de bom atendimento da paciente na casa é algo para ser replicado e potencializado. "Como gestor e especialmente como médico, fiquei extremamente comovido com o caso da Marianny. Quando assumi a Fundação, ela já era paciente e estava em tratamento, mas eu já conhecia sua história de luta. É muito bom saber do compromisso e envolvimento de toda equipe no acolhimento dela e sua família. Quero parabenizar o Dr. Vinícius Pontes, diretor, que tem realizado um excelente trabalho de humanização no atendimento", destaca Pablo.

O medicamento
No site do Ministério da Saúde há informações que terá início o processo de compra do medicamento Spinraza (nusinersen) para atender 13 ações judiciais. Segundo o site oficial do Ministério, em um esforço do governo federal para regularizar a comercialização do produto no país, o seu registro teve prioridade na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para, em seguida, solicitar a definição de preço máximo. "O preço do medicamento oferecido ao Ministério da Saúde para o tratamento da AME era de R$ 420 mil por ampola. Com a regularização, conseguiremos comprar por, no máximo, R$ 209 mil a ampola, uma redução de 50%", declarou o ministro da Saúde, Ricardo Barros, para o site.

Para conseguir o medicamento através do SUS, é necessário um processo judicial. A família de Marianny informa que vai entrar com o pedido na justiça, mas teme pela demora no trâmite. "Estamos numa corrida contra o tempo, por isso estamos lutando para conseguir comprar as seis primeiras doses, enquanto não conseguimos dar entrada no processo", relata a mãe.

Por David Carvalho