Aos oito anos de idade, Nataline Silva viu o mundo pela primeira vez. "Agora estou enxergando pra todo lado", disse assim que retirou os curativos, numa enfermaria do Hospital Getúlio Vargas, onde foi operada. Ela nasceu cega, na Bahia. Foi diagnosticado que ela tinha catarata congênita, provavelmente associada à rubéola, durante o mutirão de oftalmologia feito pela Secretaria de Estado da Saúde, em dezembro do ano passado, no município piauiense de Guaribas (localizada 653 km ao sul de Teresina) onde mora com a família. A visão deu uma nova vida a Nataline. Ela, que frequentava a creche do município e não sabia ler, agora vai conhecer as letras numa escola regular.
Os piauienses Salvador Amorim (de Batalha) e Eliene Lima (de Teresina) e o maranhense Edmar Carvalho também encontraram no HGV o tratamento para as doenças que os acometeram.
Estas quatro pessoas são uma amostra dos pacientes que recorrem ao HGV todos os dias - vindas do interior do Piauí, da capital ou de outros estados - e são curadas com os tratamentos feitos no maior hospital do Piauí, referência em várias especialidades.
Com 68 anos de existência e milhares de vidas salvas, o HGV está se preparando para cumprir com maior qualidade a responsabilidade que um hospital estadual de grande porte tem: atender casos de média e alta complexidade.
O primeiro passo foi à transferência dos serviços de urgência e emergência para o município de Teresina, após o início do funcionamento do Hospital de Urgência de Teresina (HUT) - com recursos do governo federal, estadual e prefeitura de Teresina, em agosto de 2008. Os leitos que eram ocupados quase 90% pelos pacientes da urgência e emergência foram destinados aos pacientes que aguardavam na fila por internações clínicas e cirurgias eletivas.
Para adequar o hospital ao seu novo perfil de atendimento, os governos Estadual e Federal estão investindo mais de R$ 26 milhões na reforma (inclusive elétrica e hidráulica), ampliação e aquisição de equipamentos de ponta para UTI, ambulatório de fisioterapia, lavanderia, almoxarifado, farmácia, nefrologia, serviço diagnóstico e tratamento, oficina de manutenção, administração, centro cirúrgico, central de material e esterilização, reforma da clínica pneumológica e serviço de anatomia patológica, implantação de uma usina de gases medicinais, clínica dermatológica. A previsão é de que as obras sejam concluídas até o fim de 2009.
A técnica em enfermagem Maria Rosimar Penha trabalha no HGV desde 1974. Nesses 35 anos, presenciou muitas histórias de vidas que o HGV ajudou a salvar. “È bom ver este Hospital crescer e se modernizar, principalmente porque vai beneficiar os mais pobres”, diz a funcionária.
Já começou
A maior reforma da história do HGV começou em 2008. Uma série de obras estão sendo realizadas simultaneamente, como as da Clínica Pneumológica, Necrotério, Laboratório de Análise Patológica, revitalização da fachada, construção de praças internas e reforma da área administrativa, a qual contará com um terceiro piso onde será construído um auditório com 120 lugares.
Em dezembro do ano passado, foi entregue a obra de expansão da UTI Geral, aumentando o número de leitos de oito para 21 e adequou o hospital à recomendação do Ministério da Saúde de que cada hospital de nível terciário com mais de 100 leitos deve ter no mínimo 6% deles dedicados à Unidade de Terapia Intensiva. Lá foram aplicados quase R$ 2 milhões.
Antes da UTI ficou pronta a Clínica Dermatológica, que dobrou o número de atendimentos, passando de 500 para mil consultas mensais. O investimento de R$ 642.343.82 para reforma, ampliação e compra de modernos equipamentos foi uma parceria Governo do Estado, Ministério da Saúde a organização não governamental Associação ProBrasil.
A clínica - que conta com profissionais especialistas nas diversas áreas de dermatologia e uma equipe multiprofissional treinada para reabilitação cirúrgica, composta por cirurgião ortopedista, oftalmologista, reumatologista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e enfermeiro - é considerada uma referência no tratamento da hanseníase. Ela se destina ao atendimento ambulatorial e internação em enfermaria especializada. Para isso dispõe de oito enfermarias, que antes ficavam no pavilhão superior e agora funcionam no térreo, facilitando, assim, o deslocamento de pacientes e acompanhantes. Além de procedimentos cirúrgicos, oferece exames como biópsia, baciloscopia entre outros.
Outra obra importante é a do Centro Cirúrgico Geral que, após ser reformado e ampliado, ficará com 14 salas cirúrgicas em vez das 12 atuais. Todas as salas contarão com modernas mesas cirúrgicas, que já foram compradas pelo Hospital, além de outros equipamentos de ponta, como aparelho de Raio-X e revelador portátil, dando condições para agilizar e aumentar o número de cirurgias, incluindo os transplantes de córnea. Cada sala contará com um sistema de refrigeração individual, e diminuindo, assim, os riscos de contaminação.
Segundo o secretário da Saúde, Assis Carvalho, a reforma do HGV terá como principal meta humanizar e otimizar o atendimento. “O HGV é detentor de elementos essenciais à promoção e ao desenvolvimento da saúde pública do Piauí. A assistência à população e o ensino de qualidade oferecido aos estudantes da área de saúde são alguns desses elementos. A importância histórica do HGV é, portanto, irrefutável e nada mais justo que criar condições para que esses elementos sejam melhorados, por isso estamos investindo no que há de mais moderno em matéria de alta complexidade”, acrescenta.
Usina de Gases. O Ministério da Saúde já liberou a primeira parcela dos recursos para implantação de uma Usina Produtora de Gases Medicinais para o Hospital Getúlio Vargas. A Usina, orçada em R$ 1,3 milhão, vai possibilitar uma redução em 85% dos custos com gás no hospital. O HGV, que gasta R$ 60 mil por mês com gases como oxigênio, nitrogênio e dióxido de carbono - usados em tratamentos de pacientes e cirurgias – vai passar a gastar cerca de R$ 8 mil.
Usuários e profissionais
A reforma do HGV está focada em dois públicos principais: os usuários – pacientes, acompanhantes e visitantes – e os funcionários.
“Tudo está sendo feito para agilizar o atendimento, ou seja, facilitar a consulta, como já ocorre com o Disque HGV (serviço de agendamento de consultas por telefone), apressar o diagnóstico, a internação e, se necessário, o procedimento cirúrgico. A celeridade desses processos influencia, sobremaneira, na recuperação do paciente, fazendo com que ele permaneça menos tempo internado”, disse o diretor do HGV, Noé Fortes.
Com a otimização da estrutura física, a melhoria das condições técnicas de atendimento e o processo de trabalho, o HGV vai poder oferecer um atendimento mais humanizado.
Quem utiliza os serviços do Hospital também diz que o local precisava mesmo de reformas. Para Newton dos Santos, cujo pai está internado na enfermaria masculina da Clínica Ortopédica, a higienização do ambiente hospitalar e espaço de atendimento estão bem diferentes de antes. "Eu vim do interior do Maranhão para acompanhar o meu pai que está doente e a primeira coisa que notei foi que o hospital está mais limpo. Fiquei surpreso com tanta obra”, enfatiza.
Salva-vidas
Há um ano fazendo residência na Clínica Ortopédica do HGV, o médico residente José Carlos de Araújo diz que o atendimento e as condições de trabalho no Hospital têm melhorado sensivelmente. “Antes da desativação do Serviço de Pronto Socorro nós trabalhávamos sempre no limite. Não havia como elaborar um calendário cirúrgico, pois sempre chegavam pacientes graves vindos do Pronto Socorro e éramos obrigados a suspender muitas cirurgias eletivas. Isso causava transtornos aos pacientes que estavam com suas cirurgias agendadas. Agora, temos condições de trabalhar com planejamento, o que tem refletido diretamente na melhoria da qualidade do atendimento”.
Os tempos que o médico lembra sem saudades são de somente sete meses atrás. Até 21 de agosto do ano passado, data da transferência do Serviço de Pronto Socorro para o HUT, os corredores do HGV chegavam a abrigar até 300 leitos, um quadro que tinha reflexos negativos direto na qualidade do atendimento prestado aos pacientes e nos altos níveis de tensão e estresse vividos diariamente por médicos e demais profissionais que atuavam no serviço de urgência e emergência. Essa situação acabava por comprometer o atendimento nos demais setores do Hospital.
A área onde funcionava o PS será reformada e transformada em um centro de diagnóstico por imagem com a implantação de serviço de hemodinâmica, Ressonância Magnética e Litotripsia e que contará com modernos equipamentos e acompanhamento especializado na área de neurologia e cardiologia. Isso vai permitir que esses exames que hoje são realizados em clínicas particulares mediante convênios sejam realizados no próprio Hospital.
Outra novidade será a implantação de uma Clínica de Cardiologia, um anseio antigo dos profissionais e usuários do HGV, que finalmente será concretizado.
68 anos de muitas histórias para contar
Maior hospital público do Piauí, o HGV foi inaugurado em 3 de maio de 1941. Em seguida, foi criada a Faculdade de Medicina, passando o Hospital a servir como laboratório para novos profissionais da área de saúde, oferecendo estágios nas mais diversas áreas, tanto ligadas à medicina como a outros setores como enfermagem e nutrição.
O atual diretor, Noé Fortes, diz que a vocação do HGV sempre foi salvar vidas e isso tem muito a ver com a competência dos profissionais que atuaram e os que continuam até hoje. O Hospital passa, hoje, por um processo de modernização em sua estrutura “e conta com profissionais altamente especializados”, ressalta.
Hospital de referência
O HGV possui 330 leitos distribuídos em 12 clínicas e duas Unidades de Terapia Intensiva. Com 2.050 servidores, é referência em alta complexidade na rede do Sistema Único de Saúde, atendendo casos que não são resolvidos em hospitais de bairros, do interior do Piauí e ainda do Maranhão, Tocantins, Pará. Oferece os serviços de Ambulatório e Internações nas clínicas Médica, Cirúrgica, Ortopédica, Ginecológica, Neurológica, Nefrológica e Hemodiálise, Otorrinolaringológica, Pneumológica, Dermatológica, Urológica e Oftalmológica.
Hospital Escola
O HGV é um Hospital Escola e recebe estudantes de medicina das Universidades Federal e Estadual do Piauí, além de alunos de enfermagem faculdades particulares e escolas técnicas. De acordo com o diretor, Noé Fortes, que é professor do curso de medicina da Universidade Federal, a reforma do HGV vai melhorar não apenas as condições de atendimento, mas também irá refletir diretamente na qualidade do ensino.
“A modernização do Hospital vai propiciar aos alunos e professores uma estrutura mais adequada para o processo de aprendizagem e qualificação e, com isso, todos ganharão, tanto os profissionais quanto os usuários”.
É um hospital de Ensino, Pesquisa e Extensão e conta com Programas de Residência Médica em Clínica Médica, Cirurgia Geral, Oftalmologia, Ginecologia, Ortopedia, Gastroenterologia, Mastologia e Urologia.
Disque HGV: o fim das filas
O Ambulatório Integrado Dirceu Mendes Arcoverde atende cerca de 10 mil pessoas por mês entre exames e consultas, que agora são marcadas via Disque HGV.
A implantação do serviço faz parte do Programa de Modernização e Humanização do Hospital e conseguiu acabar com as longas filas, com a figura do atravessador de consultas e oferecer agilidade, comodidade e conforto aos usuários. Para conseguir uma consulta médica, muitas pessoas eram obrigadas a chegar ainda na noite do dia anterior para encarar um lugar na extensa fila que se formava durante a madrugada.
“Agora ficou bom. Não precisa vir dormir aqui, correndo até risco de vida por causa da violência nas ruas. De casa mesmo você já liga”, diz Helena Costa, 53 anos, marcou consulta para Clínica Ortopédica pelo Disque HGV.
Em três meses de funcionamento, o Disque HGV já agendou mais de 19 mil consultas. Dentre as 29 especialidades disponíveis as mais procuradas foram Ortopedia, seguida por Oftalmologia e Ginecologia. A menor procura foi na área de Geriatria.
Esses números são importantes, pois agora o Hospital terá condições reais de avaliar alguns pontos referentes ao atendimento no Ambulatório. Sabendo quais são as especialidades que apresentam demanda superior à oferta de consultas, bem como a origem dos usuários do HGV, o hospital vai programando soluções específicas como a contratação de mais especialistas no setor, mutirões regionais, convênios para atuação de preceptores das faculdades de ciências médicas, como foi feito recentemente com a especialidade neurologia e está sendo realizado na área de proctologia para atender ao alto número de solicitações.
Para agendar consulta, o usuário liga gratuitamente de telefone fixo para 0800 280 8673 e marca a consulta na hora, confirmando dia e horário, de acordo com a disponibilidade de vagas. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h e aos sábados de 8h às 14h.
Histórias no HGV
Salvador Amorim perdeu os movimentos dos membros inferiores e a fala devido a uma doença neurológica. Ele mora em Batalha (a 154 km de Teresina) e vem toda semana para o HGV. Depois de um longo tratamento, a doença está sob controle. “Estava desacreditado, já tinha passado por vários tratamentos e em nenhum tinha obtido resultado satisfatório. Aqui no HGV consegui ter esperança de voltar a ter uma vida normal. Já consigo falar normalmente e estou sendo acompanhado por bons profissionais”, disse.
Depois de sofrer um acidente de carro no Estado do Maranhão, Edmar Carvalho percorreu 448 quilômetros em busca de atendimento, que somente encontrou no HGV. Depois de três meses internado e de passar por vários tipos de procedimentos de alta complexidade, incluindo uma cirurgia plástica e tratamento clínico de fisioterapia, teve alta e voltou em março para o seu Estado, satisfeito com o serviço.
Já Eliene Lima, mora em Teresina e três vezes por semana, o carro da Clínica Nefrológica vai buscá-la para fazer hemodiálise no HGV. Ela tem um cálculo renal crônico e depende desse serviço para ter uma vida com qualidade. “Se não fosse o HGV, não sei como estaria agora. Devo a minha vida ao HGV”.
Pacientes de vários lugares
O HGV recebe pacientes de todo o Piauí e dos estados vizinhos (Ceará, Maranhão, Pará e Tocantins) que vêm à procura de tratamento médico. Este fluxo de clientes determina um gasto aproximadamente de 30% das despesas sem que haja qualquer acréscimo ou participação financeira dos estados envolvidos.